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O Futuro da TV aberta
Por Carol Gazal*
Publicado em 15/10/2025 16:00
Artigos

Mesmo com todo mundo comentando a novela ou a última partida de futebol, sempre tem alguém que repete: “lá em casa ninguém mais assiste televisão” — como se a novela e o futebol fossem lendas urbanas.

A verdade é que a televisão não morreu — só precisa ficar mais esperta e entender o seu novo lugar na casa do brasileiro.

A TV aberta tem muitas vantagens. A primeira é que é gratuita.

A segunda é que carrega o hábito de assistir junto — seja um filme à noite na TV do quarto, um jogo com os amigos ou a novela na sala com a família.

A terceira vantagem é que os duzentos e cinquenta milhões de brasileiros podem assistir ao mesmo conteúdo, ao mesmo tempo. Ela não trava, não dá problema de áudio e não depende da sua internet.

E a quarta é algo que nenhuma outra plataforma faz tão bem: o ao vivo. O imprevisível. O inesperado. O factual. “Será que ele vai fazer isso mesmo?” “Você viu o que acabou de acontecer?”.

Essa adrenalina é o que mantém a TV aberta viva. Quando o país inteiro prende a respiração no pênalti, no resultado das urnas, na meta do Teleton, no paredão do BBB ou no show da Lady Gaga, não há algoritmo que supere essa emoção coletiva.

E isso, no Brasil, é potencializado por mais de cinquenta anos de uma programação de qualidade — jornalismo sério, boas novelas, programas de comédia, festivais de música. Temos uma cultura de TV aberta forte e de boa qualidade. O brasileiro confia na TV Cultura, na TV Globo, no SBT, na Band, na Record... Isso também acontece na Inglaterra, na Itália e na Alemanha, que têm emissoras públicas confiáveis. Mais do que isso, nosso jornalismo tem credibilidade. Se deu no JN, você sabe que de fato aconteceu. Quando o Papa Francisco morreu, por exemplo, todo mundo correu pra TV pra ver a matéria da Ilze Scamparini. Isso é reputação — um ativo raríssimo em tempos de bolhas, fake news e timelines gritando. Na minha opinião, aí é que está o pulo do gato: no ao vivo, no jornalismo e nos eventos que reúnem as pessoas.

E os números da TV são muito maiores do que qualquer aplicativo pode sonhar: segundo o IBGE, 95% dos lares brasileiros têm pelo menos uma televisão, e a Kantar mostra que 86% das pessoas assistem à TV aberta toda semana. Mesmo nas Smart TVs, 60% dos usuários acessam canais gratuitos. Os números são gigantes, mas não podem ser comparados com os dados de consumo no celular. É uma comparação injusta: são mundos diferentes, tempos de atenção distintos e experiências quase opostas. Uma coisa é ter uma TV ligada o dia inteiro, como uma companhia enquanto você cozinha, trabalha ou se arruma pra sair. Outra coisa é estar com o rosto a um palmo da tela do celular vendo vídeos curtos e passando o dedo pra cima. A experiência que o celular traz representa uma atenção muito mais poderosa e individual. Portanto, o tempo não pode ser medido do mesmo jeito.

Antes de mudar de canal, vale uma pausa: é preciso olhar também para o bastidor técnico — o aparelho de TV.

No outro extremo da experiência do público, algo muda rapidamente sem que ninguém fale no assunto. Quando você compra uma TV nova — cada vez mais barata — e liga na tomada de casa, simplesmente não encontra o canal aberto. O que aparece é a faixa horizontal com Netflix, Prime Video, Globoplay, YouTube, HBO e, principalmente, o conteúdo próprio do fabricante do aparelho. As principais marcas do Brasil (Samsung e LG) oferecem cada vez mais filmes, séries, desenhos e realities, tudo com boa curadoria e sem cobrança. E a navegabilidade desses serviços é desenhado para manter o consumidor preso nesse labirinto de conteúdo, em um controle remoto sem número e que também é espaço de mídia paga.

E aí vem o drama de quem só queria ver o capítulo de hoje. A senhora de sessenta anos, que estava feliz porque ganhou uma TV nova, de repente se frustra porque não consegue encontrar sua novela no meio de tanta oferta. Ou ela desiste e desliga, ou acaba sucumbindo à oferta de filmes da Samsung TV Plus, que grita “grátis, grátis!”. Tudo isso gera dados para que o designer de UX melhore — ou complique ainda mais — na próxima atualização. Sim, TV também tem sistema operacional. 

Agora, tem muita coisa que, sim, a gente prefere ver no celular: os vídeos curtos, as mensagens de WhatsApp, o saldo da conta bancária, as comprinhas. Tudo bem — há espaço para cada formato.

Para a televisão brasileira, o desafio agora é manter essa presença relevante — com credibilidade no jornalismo, diversão no entretenimento ao vivo e proximidade com o público.

Talvez o futuro da TV aberta seja justamente continuar aberta — às novas telas, às novas gerações e às novas conversas.

E se o presente da TV ainda é o ao vivo, o próximo capítulo já começa a ser escrito com a TV 3.0 — mas essa é outra história, pra um próximo artigo.

Porque enquanto houver alguém do outro lado da tela respondendo o seu “boa noite”, a TV vai seguir poderosa — ligada, viva e olhando de volta pra gente.

*Carolina Gazal é jornalista e executiva de mídia. Foi uma das responsáveis pela transformação digital do SBT e pela criação do +SBT, plataforma gratuita de streaming da emissora. Vive entre estúdios e telas, escrevendo sobre como a tecnologia e a inovação mudam o jeito de contar e de se emocionar com boas histórias.

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